É que eu amo me apaixonar
- Yilan Ruh
- 18 de set. de 2024
- 2 min de leitura

Percebo, com angústia, que atravessamos um tempo em que grande parte das pessoas desenvolveu um medo quase patológico de amar. Entregar afeto é visto como algo negativo, já que envolve abrir as portas de si ao encontro e fazer-se vulnerável ao outro e, em algum momento, vulnerabilidade confundiu-se com fraqueza. Em uma lógica de "selva de pedra", onde o mais forte sobrevive, reina aquele que consegue se fazer mais amável sem amar ninguém de volta. Aplica-se a mesma lógica do consumo às relações humanas: parceiros são colecionados, consumidos e trocados a todo momento por modelos "melhores". Multiplicam-se os ícones dos chamados "golpes", gurus que ensinam técnicas manipulativas que transformam o amor em um jogo de entrega de via única e Bauman sorri tristemente em seu túmulo, certo de que toda a sua obra corresponde à realidade pós-moderna.
Compreendo o que vejo, mas a realidade ainda me parece distante. Deve ser porque eu amo me apaixonar. Me pego pensando se essa minha "coragem" não vem de já ter me ferido tanto que a dor não me assusta. Eu já fui perseguida e jurada de morte por quem me amava, mas nem por isso consigo experenciar o mundo por essa via de "vou ferir antes que eu seja ferida", de "antes elx que eu". E, acredite, eu já tentei ser uma belíssima filha da puta, mas nem com todo o meu afinco e consciência de que eu deveria ser o agente kármico daquela determinada pessoa eu consegui. Eu sei me consertar quando me parto, quando me partem e sei partir quando isso acontece. Eu sei dos riscos de me fazer vulnerável e os assumo. Tenho até uma tatuagem que diz "won't you die tonight for love?" porque, para mim, uma vida sem amor é uma vida pela qual não vale a pena viver. E me encanta quando alguém abre as portas de si para mim, mesmo sem garantia alguma de que eu não vá bagunçar a sua casa. Me emociono quando deixam as chaves na porta, pois sou uma romântica incurável.
Mas, sabe, eu gosto de ajudar a redecorar a casa alheia, quando me é permitido. Gosto de deixar as minhas marcas afetivas, assim como o outro me põe as suas. Afetar e ser afetada, afinal, ninguém sai ileso de ninguém. Levar um doce, um vinho, apresentar um livro. Provar sabores de sorvete que nunca experimentei, assistir filmes que nunca assistiria sozinha e encontrar no outro, também, pequenas similitudes, como a preferência pelo mesmo sabonete líquido óleo que eu uso. Eu amo quando os banhos solitários viram banhos compartilhados e quando o sono em lados opostos da cama se torna uma concha humana. Amo beber álcool com o outro e mostrar porque eu não posso beber. Amo quando a foda vira fazer amor olhando nos olhos. Quando o peito fica mais confortável que o travesseiro. Amo quando as conversas para impressionar o outro se tornam conversas sobre o medo de falhar, sobre as marcas da infância, sobre as opiniões impopulares e os desvios de caráter (que todos temos). Gosto da ansiedade, das mãos suadas, dos pés inquietos, do acelerar das batidas do coração, quando se aproxima a hora dos encontros.
Que louco me parece não gostar de se apaixonar! Eu já falo "me lasquei" às gargalhadas.
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