Amor fati
- Yilan Ruh
- 10 de jul.
- 2 min de leitura

Sempre temi as mudanças. Sou amante da estabilidade e da previsibilidade, ainda que entediantes. O que não posso prever me causa muita ansiedade. Gosto de saber o que esperar de cada hora do meu dia. Assim, o destino me parece menos assustador. Gosto de sincronia, de simetria. De pontualidade. De listas de tarefas. De números, nas balanças, nas anilhas, nas minhas contas. Gosto de exatidão.
Mas, de uns tempos para cá, tenho aprendido a fluir com o movimento da vida. Tenho aprendido a amar as infinitas tonalidades de cinza que existem entre os polos de preto e branco. Em plena quarta-feira, alguns clientes remarcaram as sessões porque era feriado em outro estado. Fui fazer uma trilha de quase três horas. Com uma amizade improvável, que conheci enquanto fazia uma trilha sozinha. Trocamos histórias de vida ao longo de uma caminhada de 15 quilômetros, atravessando três morros. Eu identificando alguns minerais pelo caminho e ele identificando algumas árvores — e que linda é a árvore de canela! —. Eu falando sobre a estrutura de um perverso e porque ele faz o que faz e ele me ensinando a sobreviver caso eu encontre uma onça em uma mata. E nós, sendo pessoas tão diferentes — em idade, em gênero, em identidades — encontramos conexão no silêncio, na solitude.
Ele me confidenciou que andou com a cabeça bem perturbada por uns tempos. Que não via sentido na vida. Que pensava que o mundo era um lugar horroroso, cheio de gente ruim, que não tinha jeito e que era melhor morrer. Eu conheço esse sentimento. Me acompanhou por muito tempo. Falei com ele "cara, eu já me senti exatamente assim. Às vezes ainda me sinto. E cê tá certo: não dá mesmo pra mudar o mundo. Mas sabe o que eu aprendi? O mundo pode ser um lugar horroroso, mas ele é lindo também. Se não existisse um equilíbrio, já tinha explodido tudo. Então o sentido da sua vida pode ser só permanecer vivo pra ver a beleza de coisas como essa, que a gente tá vendo agora."
Toda vez que eu compartilho a minha história de vida com alguém, essa pessoa se oferece pra apagar quem me feriu. Ontem eu percebi, pela primeira vez, que já não me incomoda. Não agradeço ao machado por ferir o sândalo, mas o sândalo segue exalando perfume apesar do machado. Se cada passo me trouxe exatamente até aqui, onde eu estaria se qualquer uma das variáveis fosse alterada? Eu gosto do que me tornei, apesar dos pesares. Então aconteceu o que tinha que acontecer. Não fazia parte do meu plano, mas sem perceber, dei chance pro perdão colar meu coração quebrado.
Hoje, pouca coisa me importa. Mas o que importa, importa muito. Finalmente vejo as coisas com clareza, sem florear nada. E apesar de, por vezes, terrível, há a sua cota de beleza na decadência, na destruição, no despropósito. O afeto é genuíno, o vinho tem corpo, aroma e visual, o café tem notas e acidez, a comida tem sabor, o sexo tem conexão. E a vida é exatamente o que ela é.
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