Confessionário (Sabe III)
- Yilan Ruh
- 31 de jul.
- 3 min de leitura

Sabe, me peguei pensando que nunca amei alguém como te amo. Sempre amei as coisas por seu potencial, não pelo que eram. Amava o que estava quebrado, retorcido, o que era perigoso. Amava o que poderia ser. Amava o que me fazia sangrar, o que me deixava completamente vazia. Acreditava, piamente, que amor era sacrifício, abnegação. É a primeira vez que amo algo inteiro, seguro, bonito. E — estranho — isso me dá muito mais medo do que todos os amores que tiveram o potencial de me destruir. É que cê sabe: eu sempre tive medo de criar raízes. O solo era veneno, a chuva era ácida, o sol era castigo. Você me reconstrói, me constrói, me nutre. Você me fortifica.
Sabe, é a primeira vez que me sinto completa com alguém. Perdi as contas de quantas vezes me odiaram exatamente pelo que despertou a paixão. De quantas vezes tentaram me domar, e de quantas vezes fingi que me docilizei para não ser odiada. Hoje, eu não consigo performar — nem mesmo que eu queira. É que cê me conhece como a palma da sua mão. Ante seu olhar, me caem todas as couraças. E, estranhamente, você ama cada uma das minhas vergonhas.
Sabe, é bom demais não precisar fingir. Cê sabe que eu canto palavrão quando tô estressada, que falo sozinha pra organizar meus pensamentos e que eu considero sexo solução pra quase tudo. Sabe que eu ando na ponta dos pés, que prefiro mastigar vidro a pedir ajuda, e que sou apaixonada pelos animais que são símbolo de mau agouro — e que agradeço sempre que avisto um. Sabe que, quando eu falo que preciso passar um tempo sozinha, é quando mais preciso de companhia; sabe que eu me escondo quando estou prestes a chorar; e sabe que, não importa o quanto eu me esforce, nunca parece o suficiente. Sabe que minha cor favorita é turquesa, que eu gravo poemas inteiros de cabeça e que uma parte de mim se parte sempre que eu preciso botar meu coração no bolso pra agir.
Sabe, é foda — no bom sentido — estar com alguém que não se sente ameaçado por mim. É a primeira vez que sou tratada de igual pra igual. Te contei que peguei 50 quilos no supino, e você só pediu que eu fizesse isso nas máquinas, por segurança. Disse que queria iniciar no krav magá, e você me levou. Te pedi ajuda na reforma, e você me ensinou a lixar paredes, portas, a nivelar pisos. Sentei pra me acalmar quando as coisas saíram do controle, e você tomou a dianteira e me levantou. É a primeira vez que encontro alguém que faz com que eu me sinta a parte feminina da relação. E é tão confortável não precisar estar no controle de tudo.
Sabe, essa coisa de amar tem me deixado apavorada. É que cê me faz querer coisas que eu nunca quis. Meu “império romano” sempre foi pensar se, um dia, eu seria capaz de abrir mão da minha solidão para estar na companhia de alguém. E, hoje, eu sinto a sua falta até quando cê tá perto, nas pequenas separações. Treino ansiosa pra voltar e tomar café com você. Salvo reels do Instagram de lugares para os quais quero viajar com você — de moto, sempre de moto. Pesquiso os lançamentos de terror do cinema pensando que precisamos ver juntos.
Sabe, eu acordei cedinho e vi o sol nascer daquela vista linda que vai ser o cômodo do meu escritório. E só conseguia pensar em você me fodendo naquela janela, com o sol nascendo naquele campo cheio de vacas e cavalos. E depois tomando banho juntos, preparando o café juntos, comendo juntos, tendo conversas profundas. Eu decidi que vou fazer uma cópia da chave do meu apartamento pra você. E uma horta de temperos na cozinha. Se vão ficar vivas, eu não sei — cê sabe que eu sou horrível com plantas —, mas estou disposta a tentar. É que eu sei o quanto cê gosta de cozinhar, e o quanto gosta de tempero fresco. E eu quero que cê se sinta em casa também, assim como eu me sinto em casa perto de você.
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