Dendê
- Yilan Ruh
- 24 de jul.
- 2 min de leitura

Passei os últimos dias orando. Perdi a fé faz alguns anos. Fui exposta à tamanha violência que perdi a fé em quase tudo o que acreditava. A violência, a injustiça, a desumanidade, por vezes, são capazes de tirar de nós até aquilo que nós é constitutivo. De tudo que me era mais caro, esse foi o meu maior bem roubado. O que mais tem feito falto. A isso, chamo "meus olhos de criança".
Mesmo sem acreditar em nada, me percebi implorando que algo me ouvisse nos últimos dias. Que me desse forças para não resistir às mudanças que — eu sei! — preciso fazer. Não conseguia entender porque estava angustiada por poder fazer exatamente as coisas que eu gostaria de fazer. Porque tanto medo se eu conquistei o que eu queria? Porque tanta ansiedade diante da instabilidade, se a terra precisa ser revolvida antes de sementes serem plantadas? Porque tanto medo por estar conseguindo tudo o que eu quero?
Não me reconheço no espelho faz algumas semanas. Tenho me incomodado com o olhar alheio sobre mim. Meu próprio olhar me fere e o olhar do outro se parece com uma reflexão do meu. Passei no mercado, comprei tintas. Agradeci pelo tempo extra no meu dia, ainda que vindo do adoecimento de três pacientes e da chuva que estragou meu treino de arquearia com meu novo amigo. E comecei, parte por parte, o processo de abandonar a cor que me acompanhou por tanto tempo — e que segue como a minha favorita —. Penteei o cabelo, observando cuidadosamente a nova cor. Percebi o quanto ele cresceu. Me encarei e meus olhos brilharam. Arrepiei. Ouvi sua voz, depois de muitos anos "ô mulambe, ô mulambá, sua saia de retalhos tem história pra contar".
Sorri. Quer tirar (os piercings)? Você não precisa mais afastar ninguém, filha. Tirei. Olhei, avaliei, fiquei satisfeita. Perguntei "por quê, senhora?" Porque eles podem, filha. Você chora dendê. Não sabe por que o seu choro você prende no peito e ele te queima.
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