É muito fácil se apaixonar por mim
- Yilan Ruh
- 6 de dez. de 2024
- 3 min de leitura

O fim de ano chegou e eu, assim como a maioria das pessoas, estou mais reflexiva que o normal. Achei que fosse impossível pensar mais do que eu já penso, mas desde que vi o calendário virar de 11 para 12 me apercebi revisitando toda a minha trajetória durante o último ano. Nunca senti tanta dor, mas nunca cresci tanto quanto esse ano.
É muito fácil se apaixonar por mim. Ouvi essa frase de várias bocas diferentes e nenhuma delas tinha um tom gentil. A frase seguinte era, invariavelmente, sobre como a pessoa me odiava por isso, sobre como eu não exigia nada ou sobre como eu sou tão boa que faço ela se sentir uma merda. Sempre fiquei confusa até esse ano, quando percebi que é fácil se apaixonar por mim, mas é muito difícil me amar. Porque o que eu sou desperta insegurança e faz a pessoa reavaliar quem ela é e o que ela fez com o que fizeram dela.
Meu maior medo é ser uma pessoa medíocre. Eu tenho consciência de que nasci com todas as probabilidades contra mim, mas não aceitei e não aceito. Perdi as contas de quantas vezes fui chamada pra trabalhos sexuais, na cara dura, que iam desde produção de conteúdo adulto, passando por strip em boates e prostituição. Mesmo quando eu tinha que escolher entre comer e pagar as minhas xerox da faculdade, eu recusei todas. Enfiei na minha cabeça que eu ia ser a primeira pessoa da minha família a se formar em uma universidade federal e fui. Quando saiu o meu diploma eu já tinha 8 clientes, metade deles pessoas que atendi como estagiária. Se eu jogar pra ganhar, eu venço, em todas as vezes. O plano B é realizar o plano A. E apesar de ter todos os motivos do mundo para me tornar a pior pessoa que eu já conheci, eu escolhi fazer algo melhor do meu sofrimento. Eu escolhi usar meu ódio como combustível pra ascender ao invés de queimar tudo o que aparecesse no meu caminho.
Eu nunca pensei que me esforçar para ser boa era algo ruim até uma das últimas desilusões afetivas, quando li que a pessoa estava de afastando de mim porque eu não merecia e ela queria que eu continuasse acreditando no ser humano, apesar dos pesares (meu mantra de vida). Aquilo me engatilhou com força. Me lembrou meu primeiro namorado, que dizia que eu não era tão boa assim, que ninguém era. Me levou até o limite para tentar provar a teoria dele e se não fosse a intervenção da providência divina, provavelmente eu estaria em uma vala antes que ele conseguisse acordar o dragão que eu nino todas as noites. Depois de tantos anos, finalmente alguém conseguiu me fazer reavaliar os meus valores. Continuo acreditando no ser humano, apesar dos pesares, mas deixo em 2024 a minha convicção de que todo mundo pode ser bom se for tratado com gentileza. Tem gente que é filha da puta porque quer, isso é o melhor que consegue fazer da própria existência e eu não tenho nada com isso.
Sentei na varanda. Estou exausta e não sei como desacelerar. Sinto meu desempenho caindo, me sinto falhando comigo. Precisam de mim e eu preciso de férias de todos, inclusive de mim mesma. Ele perguntou se eu queria ficar sozinha. Disse que eu não sabia, então Ele sentou do meu lado. Não parava de chover nem por um minuto. As montanhas estavam cheias de neblina e o céu cinza. Apontei isso pra ele. "Vê? É assim dentro de mim o tempo todo. Esses são os únicos dias em que consigo me sentir conectada à alguma coisa. Os únicos em que eu sinto que me encaixo. Não me sinto deslocada, não me sinto sozinha. O mundo se parece comigo. Me esgota muito ter que fingir que sou sol quando chove aqui dentro o tempo inteiro. Não consigo me lembrar de um único dia em que eu não tenha me sentido assim, chovendo, caindo". Ele me respondeu que são os dias mais bonitos. Que tem medo de não ser bom o bastante pra mim, mas que promete se esforçar pra ser cada dia melhor. E que se eu sou uma pessoa triste, ele me dará dias felizes até que eu seja uma pessoa feliz. Ainda não entendo como ele pode me amar depois de me saber outono, mas as tentativas me bastam. Talvez eu tenha encontrado, enfim, um lugar pra pertencer.
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