Você morreria por amor esta noite?
- Yilan Ruh
- 22 de mai.
- 3 min de leitura

Começo essa crônica do cotidiano com a frase eternizada em minhas costelas: wont' you die tonight for love? Sempre tive a certeza que sim. Morrer é fácil. Amar, não. Amor, para mim, sempre esteve relacionado com sacrifício. Com doar-se inteiramente ao outro, abrindo mão de si em prol do melhor interesse desse outro. Cresci em um ambiente onde não havia espaço pra construção de individualidade. Minha mãe ergueu para si o trono de santa guerreira, moldando profundamente a sua imagem em nossa psiquê. Constantemente, nos lembrava que tudo o que alcançamos foi por meio de sua invicta abnegação. Éramos extensões de sua vontade, de seu esforço, de sua garra e sem isso, o que seríamos? Me ressentia muito quando criança por ver todo o meu esforço reduzido à ser sua filha. Hoje, com olhos mais compassivos, percebo que seu único orgulho era a possibilidade realizar-se por meio das conquistas de seus filhos.
Os padrões foram se repetindo dentro da família, bem como a sensação de que o próprio movimento de viver gerava uma dívida que jamais poderia ser quitada. Sentimentos, pensamentos, bens, por mais singelos que fossem, estavam sujeitos ao uso comum. Não havia espaço para fronteiras saudáveis. Realizar essa ruptura em prol da minha individualidade foi um gesto um tanto traumático, uma vez que me marcou com o estigma de uma puta egoísta, entretanto, muito necessário depois de perceber o quanto essa configuração contribuiu para que eu quase deixasse a minha vida em um relacionamento marcado pela perversão, que exigia uma entrega completa, de alma, de sangue.
Ainda penso, às vezes, que morrer por amor é fácil. Há uma glória na tragédia romântica. É justo a morte a condição essencial para existência do amor romântico, que nela atinge seu auge. Sem ela, a perfeição, testada no tempo, deixará de existir. As crises virão, os adoecimentos, as desilusões, as falhas de caráter, os desvios na alma, as feiuras da velhice... A ruína testa a força dessa estrutura e ensina que o tempo devora até mesmo o amor.
Hoje, redesenhando o amor com novos contornos, penso nele não como sacrifício, mas como entrega, presença. Depois de me permitir ser furtada, anulada, desrespeitada, violentada, torturada e encolher até quase não me reconhecer, reconheço que viver por amor exige muito mais coragem que morrer por ele. Viver por amor é ver o que resta quando a paixão, enfim, se cala. É lidar com o desgaste de si e do outro.
Você viveria por amor essa noite? Se permitiria ser uma pessoa mais saudável, mais inteira, para permanecer — de verdade — ao lado de quem ama por mais tempo? Trabalharia nas suas sombras, enfrentando os próprios demônios, rompendo ciclos de padrões de comportamento tóxico? Ressignificaria suas relações, elaborando os traumas e reconstruindo, tijolo por tijolo, um novo conceito de amar e ser amado? Aceitaria a vulnerabilidade de ser visto, imperfeito, e mesmo assim, escolhido? Acolheria o outro quando este, inadvertidamente, esbarrasse em suas feridas ainda abertas? Aceitaria, pacientemente, cultivar não o amor perfeito, mas o possível?
Você viveria por amor essa noite? Arriscaria o silêncio do orgulho para dizer o que sente, aceitando o risco de ver toda a sua expectativa ruir até o pó? Deixaria o ego repousar, só por um instante, para ouvir com o coração aberto? Tocaria no fundo das suas próprias dores para aprender a não ferir mais quem está ao seu lado? Estaria disposto a recomeçar, mesmo cansado, mesmo com medo — se houvesse ali um olhar que dissesse: "fica comigo"? Aprenderia a perdoar sem se perder de si mesmo?
Você viveria por amor essa noite? Aceitaria um amor que não chega pronto, mas que se constrói com presença, consistência e esforço? Que amar, às vezes, é insistir quando seria mais fácil fugir; e, outras vezes, é partir com ternura quando ficar já não cura? Entenderia que amar é um verbo em movimento — que se aprende todos os dias e se escolhe todas as noites? Você viveria por amor essa noite? Ou ao menos tentaria?
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