Violência
- Yilan Ruh
- 8 de dez. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de out. de 2023

Perfura. Você me perfura, e assim me subtrai. E eu continuo sangrando, e sangrando, e sangrando. Me esvazio. Eu, antes completa, destruída por você.
O que eu recalco transparece nos meus sonhos. E eu ainda grito no escuro. Os anos passam. Terei um dia um corpo que você não terá mutilado?
Eu ainda me lembro da força das suas mãos, porque ainda hoje ela me lembra o quanto sou fraca. E eu odeio a minha fragilidade, porque era a minha vulnerabilidade o que te instigava.
E eu ainda evito os espaços que você habitava, porque eu ainda lembro de você. E sei que você lembra de mim. E pensar em ser vista novamente por você me faz desejar um banho de óleo fervente.
Perfura. Você me perfura, e assim me subtrai. Sua masculinidade me corta. E eu sangro até me transformar em nada.
Descamo o que restou do que é você com unhas pálidas e quebradiças. Mas se você roubou o que era eu, o que restou de mim pra mim?
Sufoco a angústia com pesar. Faço dos gritos um tampão para o vazio. Eu vou me preencher de densas dores até vomitar tudo o que sinto.
Você fala e eu ainda me sinto pequena. Talvez, porque de algum modo, eu ainda me encolha ante a sua presença. E sob um sol azul meu corpo ainda estremece, gelado, e a culpa e a repugnância escorrem vermelhas pelos meus pulsos. Me arranho até arrancar você da minha pele, das minhas células, dos meus pesadelos.
A luz se apaga dos meus olhos vagos e se tento falar, meus pulmões expelem terra...
Você me faz odiar o toque, mesmo desejante por carícias. E eu ainda temo abraços, porque você tornou os abraços violentos.
Você tomou todas as cores, e hoje enxergo tudo sob diferentes tonalidades de cinza. Você borrou todos os contornos, e hoje a existência tem ares difusos. Você matou a inocência, e deste modo a minha alma apodreceu.
Você me roubou de mim.
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