O Peso do Sol
- Yilan Ruh
- 14 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de ago.

O Sol entrou pela janela
e tocou minha nuca
como quem sabe
que amanhã o juiz vai dizer teu nome
em voz alta —
e talvez seja a última vez
que ele vai pesar tanto.
Mas e você?
Ainda lembra do meu rosto
ou só da sombra que ficou
quando me deixou no chão?
Você dizia que eu ficava linda chorando,
e eu me escondo pra chorar desde então.
Dizem que a justiça é cega,
mas eu ainda te vejo
em cada lâmina de luz,
em cada passo errado que dou
sozinha,
perdida,
no corredor.
Às vezes penso que ainda
amo aquela tua parte
que eu quis salvar,
como se minha devoção fosse capaz
de te arrancar o veneno
que já era teu sangue.
Antes de você me provar
que eu não era tão boa assim —
que ninguém é.
Às vezes me pergunto
se alguém te abraça
nos teus tremores noturnos.
Se alguém ainda te ensina
que gentileza gera gentileza.
Se alguém cuida de você
quando está doente.
Se alguém ainda se importa,
se alguém ainda consegue
se importar.
Cada pessoa que tocou meu corpo
sem saber,
tentou apagar você de mim.
Você prometeu deixar
uma marca permanente.
Eu tentei, tentei,
mas não consigo te apagar.
Eu também sei fugir:
me perco na beira do mar,
toco a água gelada,
finjo que não sou essa mulher
que aprendeu a sorrir
com a arcada trincada.
Às vezes penso
se o que amo é acordar sozinha
ou não ter que fingir
que você não deixou tudo quebrado.
Se fiz tantas tatuagens
pra reinventar meu corpo
ou por medo
de alguém pedir pra cortar minha pele.
As flores secaram na varanda.
Não chorei por elas.
Nem por mim.
Talvez eu tenha aprendido
a deixar morrer
o que não posso sustentar.
Será que você se pergunta
se respiro melhor agora?
Se ainda uso as roupas compridas
que você odiava?
Ou já me esqueceu
naquele quarto mofado
onde guarda o que não te serve mais?
Será que ainda tem minhas coisas
ou roubou só pra me ferir
uma última vez?
Eu não fui sempre assim.
Havia manhãs sem medo,
sonhos que não se vestiam de sentenças.
Mas tropecei na tua sombra
e nunca mais vi o Sol do mesmo jeito.
Tenho medo que esteja solto,
tenho medo que seja preso.
Você ainda pensa em mim
quando o silêncio te incomoda?
Ou só lembra
quando precisa provar pra si mesmo
que podia fazer tudo o que fez?
Dizem que estou melhor,
Que a dor me tornou forte.
Mas ninguém vê
meus cacos bem organizados,
nem sabe que toda lágrima
me devolve um pouco ao teu cativeiro.
Eu juro que mudei.
mas a lembrança
é um veneno lento.
Você ainda pensa em mim
como quando eu acreditava em ti,
como quando meu riso era inteiro
e minha pele não temia o toque?
Eu sei que não fui só tristeza.
Eu já fui a luz que atravessava tua manhã,
o abraço que não pedia nada.
E mesmo agora,
no limiar do fim,
me dói saber
que talvez eu tenha deixado de ser
aquele lugar bonito
onde um dia você esteve.
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