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Sobre sapatos e afetos

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 14 de jun. de 2021
  • 1 min de leitura

Atualizado: 20 de out. de 2023


Sapatos protegem nossos pés. Alguns sapatos, de material mais denso, nos aquecem. Outros, mais abertos, os protegem, porém, sem abafá-los. Oferecem certo conforto. Desacostumados dos pés nus, o que faríamos sem nossos sapatos?

Eu nunca gostei de meus pés. Os achava feios. Pés de bailarina. Pequenos, insignificantes, tortos. Ignorava sua mais bela função: me impulsionar, passo por passo. Com frequência os apertei em modelos desconfortáveis de sapatos, na tentativa de torná-los um pouco mais elegantes ou, talvez, um pouco menos feios.

Coincidência ou não, fiz o mesmo em minhas relações afetivas. Me forcei a caber em espaços onde não havia espaço. Um aperto aqui, um aperto ali, calcanhares sangrando e um sorriso. Em outros momentos tudo era demasiado frouxo: não havia sustentação alguma e apenas a beleza não impedia que a frouxidade me fizesse tropeçar e, algumas vezes, ir à queda. A cada vez que me obriguei a permanecer, fui atravessando limites existenciais necessários. Fui perdendo um pouco de mim no processo.

Aprendi cedo demais a manter os pés no chão. Mas meus pés não foram feitos para o aterramento. Antes que eu perceba, em um reflexo constituído de lapsos de felicidade, eles sobem acima da minha cabeça. Meus pés voam! Quando desfazem seus próprios limites, os desfazem não porque lhes foi exigido, mas porque esses limites perderam o sentido enquanto limites. Como posso dançar com pés feridos? Eu, que sempre amei dançar sozinha e com pés nus...

Percebi que antes de amar sapatos, devo amar meus pés. Eles são tortos, pequenos, mas não insignificantes. Há potência de ser neles. E, cá em segredo: quando eles estão voando são lindos.

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