Sobre o que finjo que nem sei
- Yilan Ruh
- 6 de jun. de 2019
- 1 min de leitura
Atualizado: 2 de out. de 2023
Eu sinto frio na maior parte do tempo.
Costumo brincar que meu hipotálamo é um imbecil (no sentido psiquiátrico do termo) incompetente que me deixa congelar de dentro para fora até que meus lábios fiquem azuis, minhas unhas roxas e eu perca a sensibilidade nas extremidades de meu corpo. Mas não posso engambelar minhas próprias convicções: sigo sabendo que corpo e mente são indissociáveis. Sem espaço para que se criem meditações cartesianas aqui.
Eu sinto frio porque cultivo muitos espaços abertos. Espaços vazios, que um dia foram ocupados. Minha racionalidade incide sobre minhas emoções e toma as rédeas destes cavalos selvagens antes que eu me choque contra as pedras. Ou me atire de um abismo. Odi et amo, excrucior.
Ninguém é substituível. Ninguém é dispensável. Eis o paradoxo que aflige meu coração: manter os espaços abertos consciente de que ninguém jamais voltará a habitá-los. Manter as marcas dos atravessamentos, as pinturas afetivas, a bagunça causada, as pegadas de sapatos no chão, mas não a presença. Deixo o vandalismo no espaço, bano o encrenqueiro. Fica a tinta, vai-se o pincel. A tinta é sempre negra: engolirá qualquer matiz, qualquer saturação, qualquer luminosidade.
E com o Tempo, eu vou ficando negra também. Um dia a tinta manchará cada centímetro intocado. Eu sinto a cianose. Quanto tempo até meu diencéfalo gelar meu coração?
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