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Olhos Tristes II

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 6 de jun. de 2024
  • 2 min de leitura



Meus olhos vieram com defeito. Os olhos que minha mãe, cuidadosamente, pediu à Deus porque achava bonitos. Os olhos morteiros, cabisbaixos. Os olhos tristes.


Meus olhos sofrem de um estranho mal, que é enxergar as coisas mais bonitas do que realmente são. Desde que consigo me lembrar enxergo beleza em coisas consideradas "estranhas". Lápides, árvores, pedras. Pessoas. Gosto das coisas meio-mortas, retorcidas, velhas, quebradas, empoeiradas, perigosas. Me afeiçoo pelo que ninguém consegue admirar. Sou capaz de mergulhar em um poço, de cabeça, com um palmo de água, para encontrar a tal beleza que eu juro que existe. Talvez uma prova da existência de deus seja que eu ainda não tenha partido o meu pescoço no processo. Talvez uma prova ainda maior que ele não exista é o tanto que implorei para que isso acontecesse, só para não ter que suportar estar errada todas as vezes.


Tento não ajustar pessoas. Tento não colori-las. Mas sempre me pego, quase inocente, adicionando um matiz aqui, um acolá, quando o cinza começa a se destacar. Pequenos disfarces; um ponto feito à mão no tecido que, embora novo, é de baixa qualidade. Coisas que não sustentam a impressão que passam. Afetos baratos, oferecidos à qualquer pessoa. Quase não me percebo. Me finjo ignorante para mim e para o outro. Quando o mofo começa a emergir na página que eu (cuidadosamente) colori, com delicadeza, pinto mais uma por cima. E outra. Até que a página se pareça grosseira, artificial, algo completamente diferente do que imaginei. Algo que era mais bonito enquanto repousava sobre o meu coração, protegido desse terrível senso de lógica que nunca me apraz. E eu não consiga mais justificar o injustificável. Por quanto tempo é possível usar mentiras para camuflar mentiras?


A realidade me impele a escapar da realidade. Sofro de olhos tristes. Preciso enxergar beleza em tudo para tornar o cinza que me cerca um pouco mais amável. Vivo à base de pílulas de idealismo. Inexoravelmente, sofro quando minha utopia, cuidadosamente alimentada, fenece de inanição. Não se pode alimentar a fantasia por muito tempo sem que ela se alimente de você. A luz que me atravessa é a mesma que fere meus olhos e os torna ainda mais tristes.

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