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Olhos tristes

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 19 de out. de 2023
  • 2 min de leitura

Atualizado: 1 de dez. de 2023


Minha mãe me deu olhos tristes. Não há uma única pessoa na minha família que tenha os meus olhos. Minha mãe dizia que achava lindos os olhos como os meus. Chamava assim, a esses olhos tristes, caídos, de olhar morteiro. Disse ter pedido a todas as divindades possíveis que fosse abençoada com um filho com esses olhos que, para ela, são tão bonitos.

Com frequência, por causa deles, me perguntam se estou triste. Com mais frequência ainda, meus olhos, cabisbaixos, flutuam em direção ao chão, incapazes de sustentar o olhar do outro. Costumo responder que não, que meus olhos são assim. Mas recentemente, comecei a pensar que talvez, se não fossem esses olhos, eu jamais poderia expressar tão bem quanto como eu realmente me sinto. Talvez o que os meus olhos não sejam capazes de sustentar não seja o olhar do outro, afinal, mas a sua própria tristeza, e caiam, como folhas de outono.


Eu nasci no outono. E o outono é minha estação favorita. Conheço quem goste do verão, do inverno e da primavera, mas ninguém que ame o outono. Sinto que nasci em uma época apropriada: quando todas as coisas belas caem. Como se a beleza não pudesse sustentar mais o peso de sua própria existência e precisasse apodrecer.

Eu me sinto caindo desde o primeiro dia que consigo me recordar. Caindo como o meu olhar, caindo como as folhas amareladas das árvores quando minha mãe me deu à luz, caindo como as lágrimas frequentes em meus olhos. Eu nasci morta por dentro e só fui apodrecendo, dia após dia. A beleza em mim, contrastando com meu interior, me fazia cair uma, duas, mil vezes. A fragilidade me flagelava como uma praga e assistia, resignada, mais um par de mãos cingirem ao meu redor, de modo protetor, para depois esmagar minhas pétalas.


Eu ouvi de alguns namorados que eu ficava linda chorando. Desde então, me pergunto se sustentei tanto sofrimento para me fazer mais bonita para o outro. Eu sempre acreditei que poderia fazer do mundo, essa coisa cinza e decadente, um lugar mais bonito. Hoje me parece estranho pensar que eu fique mais bonita pintada de vermelho e roxo, com uma lágrima talhada no sorriso. Morreu em mim a vontade de fazer do mundo um lugar mais bonito. Tudo é como é, do modo como se apresenta, e talvez eu não queira colorir mais nada. Aprendi a apreciar os tons de cinza.





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