Oi, 2025!
- Yilan Ruh
- 9 de jan.
- 5 min de leitura

Mais um ano se inicia. O meu, com uma sensação de urgência: estive confortável demais, parada demais. Tracei novas metas, novos desafios, os passos da rota profissional, que pretendo alterar, pensei sobre o que faz sentido e o que já não faz.
Estou ansiosa. Gosto da pressão do movimento, mas não gosto de me sentir presa, limitada, coagida. O que é financeiramente vantajoso pra mim, mas fere meus valores, me deixa de ser vantajoso. Me comprometi com espaços que hoje ojerizo por politicagem e dinheiro e agora eu vivo com essa náusea na garganta, essa urgência de ter que deixar os meus assistidos estáveis antes que eu finalmente adoeça e desista do trabalho e eles sejam encaminhados pra qualquer profissional irresponsável e antiético, contratado só pra mostrar serviço à comunidade e angariar verba de instituições maiores. Só deus sabe o perrengue que foi fazer essas pessoas confiarem em mim depois de serem violentadas em um espaço que deveria ser de cuidado. E só deus sabe o quanto eu odeio ter que lidar, sorrindo, com gente filha da puta. Eu não tenho sangue de barata, mano.
Às vezes me sinto uma palhaça em um dia ruim. Queria ter 10% da aceitação incondicional positiva que eu ofereço aos meus "pacientes" direcionada para mim mesma. Minhas questões nunca têm relevância o bastante pra justificar algum tipo de resposta emocional. Quando choro, não percebo e se percebo, imediatamente interrompo o choro. Quanto mais raiva eu sinto, mais meu tom de voz fica baixo e monótono. Quando me sinto solitária, me isolo até me sentir confortável de novo em estar sozinha. Não tomo remédios para dor a não ser para cumprir com as minhas obrigações diárias. Joguei fora medicações psiquiátricas quando tentei antes que pudessem começar a fazer efeito. Treino doente, trabalho doente, estudo doente e me repreendo duramente se eu ousar reclamar. Me sinto constrangida em receber qualquer tipo de cuidado e aceito com muita relutância, se me for oferecido, porque eu nunca peço nada. Depender de recursos ergogênicos pra funcionar me parecia e ainda parece ultrajante. Me faz sentir fraca, insuficiente.
E eu sei (hoje eu sei) que isso aqui é uma selva de pedra e ou você aprende a apanhar, ou aprende a ser agressivo. Mas caramba, como é difícil aprender a ser agressivo quando você não gosta de bater. Não tenho um único traço de sadismo no meu corpo. Sou incapaz, sequer, de me alegrar quando alguém que me fez muito mal se lasca. Meu ódio é pela maldade, mas não consigo odiar quem a pratica. A polícia ficou puta comigo quando tentei retirar a denúncia contra o meu ex parceiro. Justifiquei que ele tinha filho pequeno e ouvi "você tem noção da gravidade do que ele fez com você?". Por outro lado, minha experiência me prova que Cristo errou: se você dá a outra face, você apanha mais ainda. E aí, o que sobra além desse binômio desgraçado?
Cheguei mais longe que qualquer um da minha família. Me formei em uma federal de prestígio, sou pós-graduada, ganho melhor que a maior parte do país e tudo isso estudando nos piores colégios públicos, lotados de adolescentes grávidas de rapazes mais velhos com quem os meus professores me orientavam a não andar e sob frequentes ameaças de despejo, luzes cortadas e agiotas ligando no fixo dia e noite porque minha mãe mal conseguia pagar as contas. Ano passado dei o show dos sonhos dela de presente, mas deixei ela sozinha um dia na minha casa e ela não soube ligar a minha cafeteira. Acha tudo na minha casa lindo e jeitoso, mas tem medo de mexer e estragar. Eu tô vencendo na vida e às vezes me questiono pra que. A vida tem que ser mais que só trabalhar até às 22 pra fazer mais dinheiro e gastar em "experiências" ou em uma lava e seca inteligente.
E por falar em sentido, tem sido difícil me dar um. Por hora, me conformei com a sensação de ser Sísifo empurrando a pedra. Se o sentido da vida for só continuar vivendo, por mim, tudo bem. Mas tenho sido um Sísifo tímido. Empurro a pedra em silêncio. Acho que me cansei da sexualização que chega até o tamanho das minhas mãos e pés, da bajulação que vem da intenção de me comer, da fetichização de tudo o que eu faço, desde desafiar os limites do meu corpo até as minhas leituras. Eu sei que a coisa menos preciosa que eu tenho é a minha aparência. Quem tá comigo é quem entende que o meu traço mais foda não é o meu corpo, mas como eu consegui ele: eu tenho foco e persistência pra alcançar tudo o que eu quero. Se eu falar que é meu, é questão de tempo até que seja.
A vida é mais fácil para quem é crente, tenho certeza. Ou jovem místico de qualquer expressão de fé. Eu já fui e era mais fácil. Já acendi vela pra deusa, já fui de coven, já fiz rito de Fortuna, feitiço de cura, já recebi santo, bebi cachaça com pomba-gira, soprei canela, joguei tarot, o kit completo de "socorro, alguém me ajuda". Já ouvi tanta coisa nessas minhas andanças: sou criança índigo, sou médium de cura, tenho missão de ser sacerdotisa, sou uma parafernalha de coisas e na maioria das vezes, como justificativa pra ter "atraído" um monte de merda pra mim. Não deixo esses "especialismos" subirem à minha cabeça. Freud já deu a letra que o neurótico gosta de sentir que tem um serzinho olhando sempre por ele, que vai ampará-lo, que vai realizar seus desejos. Se existir um deus, ele nunca falou comigo. Ou a voz dele estava baixa demais pra chegar no inferno em que eu me criei. Eu já tive provas o bastante que sou a única que pode me salvar, que sonhos só são concretizados na realidade mediante sacrifício e trabalho duro e que não existe correlação causal alguma entre o que eu sou e o que me aconteceu que não possa ser explicada pela via da racionalidade. Então aceito e assumo que o que eu tenho de especial é ser uma desajustada que cresceu em um ambiente instável e foi exposta a violência cedo demais. Entretanto, reconheço a importância da dimensão da espiritualidade, então não encho o saco de ninguém. Aceito o "amém", o "axé" e o que quer que me seja desejado e desejo de volta.
Fiquei pensando em como é muito doido eu ter dado toda uma volta na minha vida só pra ser o que eu queria ser, que nada mais é que exatamente o que eu era antes de deixar de ser. Parece um trava língua existencial, um stand-up fenomenológico ou sei lá. É tempo ruim o tempo todo e o pior é que eu aprendi a gostar disso. Vejo muita gente da minha idade que, diante de um problema, surta, quebra. Incapazes de lidar com a própria frustrabilidade, de serem resilientes, de compreenderem que a realidade não corresponde à nossa idealização e que as coisas são como elas são, não como gostaríamos que fossem. Que esperam que o mundo supra as suas necessidades e se adapte à elas. Às vezes eu fico cansada de viver agoniada, mas eu não tenho jeito pra viver de vagabunda. Se eu não tiver uma coisinha no meu dia pra me tirar da minha zona de conforto, pra dar uma perturbação, eu fico entediada. Tirei uma semana de férias e tava louca pra voltar pro trabalho. Descansei subindo montanha, andando kms e kms, correndo. Acabei uma pós e tô doida pra começar a próxima. Voltei a correr dizendo que tava preparando meu corpo pros TAFs, mas eu sei que só queria me desafiar mesmo.
O corpo que não vibra é um esqueleto que se arrasta. Essa é a vibe de 2025.
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