Loucura
- Yilan Ruh
- 12 de dez. de 2024
- 3 min de leitura

Hoje me peguei pensando sobre loucura. Estava conversando com uma pessoa especial, que também é psicóloga, como eu, sobre a loucura que transparece em cada um de nós. Temos a fama de sermos um pouco fora da caixinha e a fama corresponde à realidade, na maioria das vezes. Meio "tantans" das ideias, meio "biruleibes", por assim dizer. Cuidar, em si, já é um sintoma de algo, bem como trabalhar acolhendo sofrimento. Me peguei pensando que loucura transborda em mim. Toda vez que nos encontramos assistimos a algum filme, ultimamente algum louco que sugeri. Ontem a escolha foi um documentário em estilo suspense sobre um caso de um relacionamento que terminou mal. Refleti sobre o meu percurso na terapia, em especial sobre algumas falas em tom jocoso da minha antiga terapeuta.
Ontem atendi de sua casa. Em meio à espera da chegada do outro para o encontro em nossa sala virtual, ele adentra o ambiente e coloca, item a item, um lanche para mim. Waffles, geleia, suco de uva e café. Disse, brincando, "que ninguém passa fome na sua casa", com um daqueles sorrisos bonitos que, por excesso de transparência de alma, poucas pessoas têm. Agradeci a gentileza, mas me senti constrangida, sem saber o porquê, apesar de ter percebido que já havia me sentido assim antes diante de outras (tantas) gentilezas. Hoje acordei às 5 e abri meu notebook em sua sala de atendimentos. Quando ele acordou, eu já estava no fim da segunda aula de Direito Constitucional. E foi ali que percebi a minha loucura: eu não sei relaxar, eu não sei como receber cuidado.
Eu aprendi a dar, mas não aprendi a receber. Eu aprendi a cuidar, mas não a ser cuidada. Sinto que amoleço, perco a postura. Me escapa a minha capacidade de reação. Portas de carros abertas, cadeiras puxadas, poemas, flores, lanches e jantares preparados são coisas diante das quais eu não sei como reagir. Busco dentro de mim, no arcabouço de recursos, e não há nada. Eu, que sempre sei o que fazer.
Atendo uma mulher muito parecida comigo desde que eu era uma mera estagiária em tempos de pandemia. E toda vez que a atendo e a relembro do quanto ela precisa de descanso, meu estômago revira. Me sinto hipócrita e isso me dói. Eu sei que ela não vai descansar porque ela precisa melhorar a qualidade de vida dela e está sacrificando essa qualidade agora em prol de um futuro mais próspero. Eu sei que ela não tem nenhuma base senão a que está construindo. Eu sei que ela não vai desacelerar porque tem medo de se acomodar com a sensação de conforto. Eu sei que ela se sente sozinha e que tem medo de aprender a aceitar a ajuda de alguém e ter que voltar a lidar com tudo sozinha mais uma vez. Eu sei porque ela me fala e eu me falo. E eu sei porque ela não sabe, mas somos tão parecidas que poderíamos ser irmãs. Nós sabemos que não existe a opção de desistir quando você não tem nada a não ser si mesma.
Me percebi pensando se pareço louca quando sou pega estudando às 5 da manhã, treinando adoecida ou trabalhando até às 22. Se pareço louca quando deixo alguém se aproximar o suficiente para ver as marcas da minha infância, que quase 10 anos não apagaram e eu cobri com tatuagem. Se pareço louca quando sumo por estar triste demais para conseguir disfarçar e incapaz de pedir colo. Ou quando eu conto uma coisa horrível sobre mim como se estivesse comentando a previsão do tempo, porque coleciono tantas que já não consigo reagir mais do que reagiria a uma picada de mosquito. Me percebi, sobretudo, me questionando se eu me importo o bastante para me incomodar caso eu pareça louca para alguém, já que eu convivo bem com a minha loucura e o outro tem autonomia para decidir se gostaria de conviver com ela também.
תגובות