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Impermanente

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 19 de nov. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 19 de nov. de 2024



Eu não sei permanecer sem que me peçam para estar. Minhas malas estão sempre prontas e um adeus tácito é imanente a meus olhos. Antes de avisar que eu vou embora, é que o meu coração já foi primeiro. Nunca chorei tanto em uma despedida quanto chorei quando estava com alguém que me feriu profundamente. Meu choro é o adeus escapando da morada de meus olhos, porque não permito que ninguém me veja chorar.


Eu nunca soube bem como ocupar espaços. Nem estar em espaços muito cheios. Me parece que preciso aprender, a cada encontro, se e como posso estar. Desconfio do que é muito disponível, acessível à qualquer um. De portas por onde circula um constante vai e vem. Onde cabe qualquer um, eu não caibo. Eu só sei transbordar no vazio. Me atraio pelo mofo, pelas teias de aranha, pelos pisos estufados e cobertos de musgo. Pelos riscos nas paredes, escritos há tempo demais. Pela singularidade. Gosto dos lugares vazios, do inabitável. Gosto de repousar onde poucos estiveram.


Deve ser porque eu cultivo o vazio no meu peito como um espaço de criação, de realização de possibilidades, de vir a ser. Me atraio pelo que escapa das minhas delimitações. Gosto do desvio. De onde me põem, eu me esvaio. Prefiro criar espaços que ocupar lugares pré-definidos. Um jovem místico certamente culparia a minha lua em aquário.

Deixei minha terapeuta depois de longos anos porque ela definiu que eu só poderia retornar à terapia em duas semanas, após eu dizer que pensava em pausar o processo por estar causando crises existenciais profundas. Tentou usar a psicanálise para tratar da minha necessidade de controle e desconsiderou que eu odeio me sentir manipulada. Engraçado, porque ela disse que eu não sabia fechar portas. Foi a porta mais rápida que eu fechei, então talvez a terapia tenha dado certo, afinal.


Ninguém entra no meu peito duas vezes para morar. Não aprendi e nem quero a fazer o meu coração de motel. Não me apaixono por uma pessoa por semana, nem nutro obsessão por quem me trata como objeto inanimado, que só existe e toma vida sob seu olhar. Ficam as memórias, as marcas, mas, uma vez idos, se esvaem os corpos, em definitivo. Eu fecho portas, mas não sei fechar feridas. Está tudo registrado em sangue e essa é minha linguagem mais íntima e visceral. Não sei se sou uma hemofílica emocional ou se só me acostumei que o único recurso usado para escrever minha história deve vir de mim.


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