Depois que cê foi
- Yilan Ruh
- 6 de ago. de 2024
- 4 min de leitura

Depois que cê foi eu nunca mais comi pizza em plena segunda. Nem amanheci em motel em plena terça. Nem comprei torta na padaria depois de ter corrido 5 km em plena quarta. Cê nem sabe mas, sozinha, eu corro 12. Chego em casa e agora o banho de pós treino é gelado. E eu joguei fora o saco de açúcar que cê usava pra estragar o meu café caro.
Depois que cê foi eu conheci outras pessoas tão legais quanto você. Na real, eu percebi que cê nem era tão legal assim. Eu me apeguei muito mais aos planos que cê dizia que tinha comigo que o que cê fazia, de fato. A gente saiu, o quê, meia dúzia de vezes? No geral, nossos encontros se resumiam à vindas na minha casa às 22:30.
Depois que cê foi eu percebi que a gente viu amor onde só tinha tesão. Chegou Agosto e eu tava lembrando que nem sei o dia do teu aniversário, só sei que cê é de Leão (e eu nem acredito nessas merdas de Astrologia, mas juro juradinho que conheço outros seis leoninos com as mesmas manias). O meu a gente passou em um quarto de motel. Cê achou que era algo especial, presumiu que eu sou uma emocionada, mas eu só queria transar porque eu gosto muito de transar e desgosto muito do meu aniversário. E cê é muito bom de cama, eu tenho que admitir.
Depois que cê foi, eu percebi que cê fazia parte do meu padrão antigo. Cê bebia Redbull misturado com Tadalafila antes de vir me ver. E fumava feito uma chaminé. Tomava pré-treino proibido pela Anvisa e vivia cheio de bomba e seringa no carro. Na real, das últimas vezes que a gente se viu cê já tava sendo um escroto. Falava que era o estresse do trabalho, mas eu sabia que era o efeito dos anabolizantes. Chega a ser engraçado cê ter falado de estresse de trabalho justo pra mim, que passo o dia ouvindo gente que já tomou lâmpada na cara por ser viado ou foi ameaçada com estupro corretivo por ser sapatão. Quando a gente se conheceu cê disse que eu tava arrumando um problemão pra minha vida. E eu te quis porque sabia que cê tava falando a verdade. Cê era toda a instabilidade que me faltava, um problema de 1 metro e 96 de altura.
Depois que cê foi eu percebi que cê tava errado sobre eu nunca ter conhecido um homem como você. Na real, cê é exatamente igual à maioria dos meus ex-parceiros: instável, emocionalmente débil, adicto e com tendências à crueldade. Cê bagunçava minha rotina, tentava me manipular, foder com a minha autoestima, mentia olhando no fundo dos meus olhos, mas tudo isso tinha gosto de lar, de familiaridade. E eu, com meu complexo de clínica de reabilitação, sempre gostei dos homens que pareciam saídos de um manicômio ou de uma prisão, tanto faz. Eu me apaixono pelo que ninguém consegue admirar, busco beleza nos lugares mais improváveis. E cê sabia disso.
Depois que cê foi eu comprei uma cristaleira com led, uma máquina de lavar inteligente e uma cafeteira de mais de mil reais só porque eu quis. Eu voltei a estudar espanhol todos os dias e a ler todas as noites. E a fazer skincare, usar minha touca de cetim e minhas lingeries bonitas para dormir. E encontrei pessoas que me fazem café, me dão flores, me dedicam poemas e me levam para assistir ao pôr do sol. Eu dei chance pros "escravocetas" que cê dizia, com desdém, que viviam no meu pé. Pra quem gosta de mulher tanto quanto eu gosto e que me tratam como as minas que acabam na minha cama. Essas minas que cê queria que eu atraísse pra transar com a gente, depois de cê ter me dito que alguns meses atrás jamais sairia comigo por eu ser bissexual. Hipócrita do caralho!
Depois que cê foi, cê pediu perdão pelo amor de Deus e disse que tava se afastando porque queria que eu continuasse acreditando na humanidade. Eu li sua mensagem rindo, certa que cê escreveu aquele texto pensando no que te contei sobre eu ter me culpado por talvez privar o meu ex-namorado da convivência com seu filho, uma criança, caso ele fosse condenado depois de tê-lo denunciado por crime hediondo. Eu ri porque cê não percebeu que eu não sinto mais compaixão pela pessoa que tá com a mão doendo de tanto me estapear. Agora, eu quero mais é que a mão do filho da puta gangrene.
Depois que cê foi, tentou voltar. Mas eu nem tava mais aqui. Eu parto, silenciosa, dos lugares. Me faço ausente. Quando parece que vou, é que já fui. Eu já não tava quando cê falou que se eu ficasse mais musculosa ia me dar um pé na bunda ou quando cê disse que repostou meu story no "melhores amigos" sem querer. Eu já não tava quando cê começou a ficar ocupado demais pra me responder, só que te conheci dormindo 6 horas por noite pra dar conta da minha vida e encontrei espaço. Eu já não tava quando cê escreveu "pegar a psicóloga vale como terapia?" na única foto que já postou comigo, me hiper sexualizando e desrespeitando a profissão que eu escolhi. Eu já não tava quando cê deixou o seu pai e sabe-se lá mais quem ver o meu vídeo rebolando em cima de você.
Depois que cê foi, tentou voltar. Mas eu nem tava mais aqui. Eu já tinha percebido que, antes de você, fazia anos que eu não tinha uma crise de ansiedade ou acordava aos berros de madrugada. Que não era saudável eu sair pra correr às 21 de uma sexta-feira por estar estressada. Que latas de TNT e Monster nunca fizeram parte da minha lista de compras e se esvaziavam rápido demais. Que a minha pele estava cheia de espinhas e meu peso, oscilando bruscamente. Eu já não tava quando minha gata começou a rosnar quando cê tentava dormir abraçado comigo ou quando cê fez a piada sobre eu ter algo a ver com a tua maré de azar, em que cê até quebrou o pé.
Depois que cê foi, eu continuei aqui. Quem mora em mim tem as portas sempre abertas. Mas é que eu não sei ser hotel de ninguém.
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