Ah, abril (quase 28)!
- Yilan Ruh
- 2 de abr.
- 5 min de leitura

Às vezes me pego pensando se preciso mesmo de tanto. Essa ânsia de vencer que me move é a mesma que me deixa exausta. Não sei fazer o mínimo, não vivo de metades, não gosto e desconfio de sombra e água fresca. Acho um desperdício de tempo e de vida não vivenciar o meu potencial máximo. Me antecipo à falta, fazendo a mais. Temo mais a mediocridade que a morte. Estou sempre preparada pro mundo ruir porque não me permito perder de vista que merdas acontecem o tempo todo. Tento prever todas as possibilidades e quando o ocorrido foge do meu leque pré-estabelecido, me recrimino por não ter previsto a possibilidade que se concretizou. Sou estressada, implosiva. Tenho enxaqueca, bruxismo e dores nos ombros desde que consigo me entender como gente. E uma tendência ao TOC, que mantenho controlada a punho de ferro, porque boto limite em tudo, até no meu nível de maluquice.
Às vezes me pego pensando se é normal que meus pacientes me vejam mais que meus amigos e que eu me sinta mais confortável com eles. Se é normal que uma conversa casual sobre a minha vida me deixe mais esgotada que as coisas pesadas que escuto diariamente no meu trabalho. Eu mudei tanto, mas tanto, que me sinto estranha perto de quem me conheceu há alguns poucos anos atrás, como se a imagem estivesse completamente desatualizada e tanto a hipótese de deixar que me conheçam novamente quanto de performar o que eu era antes fossem igualmente desconfortáveis.
Eu me tornei o que sempre fui. Criei uma imagem que me era aversiva e voltei todo o ódio que sentia do mundo para mim por me recusar a reagir e a revidar. Acreditei, ingenuamente, que se eu me portasse de forma doce, gentil e parecesse frágil, alguém que não constituísse ameaça, isso me protegeria. Modulei minha voz, calei minha revolta, performei uma feminilidade conservadora que não me representa e guardei cada agressão com a justificativa de que se eu continuasse a ser gentil, o exemplo arrastaria. Mesmo não sendo cristã, vivenciei a máxima de "dar a outra face". Quando minhas ilusões caíram por terra e minha máscara caiu junto, eu já nem lembrava que aquele não era meu verdadeiro rosto.
Fui sendo levada pelas circunstâncias, entrando nas portas que me eram abertas, sem pensar se realmente queria estar naqueles espaços. Me ajustei ao que me oferecia uma melhor possibilidade de subsistência. Quando se tem poucas oportunidades, você as agarra sem pensar duas vezes. Não pensei no que realmente fazia meu sangue pulsar de paixão e no que realmente queria fazer até começar a sufocar nos espaços em que me enfiei.
Toda vez que vai chegando perto do meu aniversário eu fico reflexiva. Acho que isso é comum, já que é um período em que avaliamos as nossas construções existenciais. Por isso, sempre aguardei por abril com temor. Tenho me percebido voltando os olhos pro passado. Às vezes me pego pensando em quem eu seria se minha vida não fosse exatamente o que foi. Se eu tivesse um pai presente, uma mãe adulta, uma família minimamente estável e não tivesse que lidar tão cedo com tanta miséria, violência e com as consequências de escolhas que não fiz. Se o que aprendi por conta própria pela dor me tivesse sido ensinado com palavras. Se eu não fosse tão negligenciada, se não fosse um alvo tão fácil. Sinto que venci toda a adversidade, mas perdi a minha juventude no processo e agora eu não consigo construir vínculos com pessoas da minha idade porque me sinto muito mais velha que todas elas, como se vivêssemos em realidades absolutamente distintas. Acho todo mundo ignorante, irresponsável, acomodado, infantil, imediatista e sem perspectiva de futuro. Por outro lado, me sinto uma pessoa péssima por ser tão moralista, uma verdadeira velha reclamona, e reconheço que essas pessoas são como são porque não tiveram e não têm as mesmas necessidades que eu, logo, elas podem ser. Provavelmente elas me acham um pé no saco também recusando festa pra ver o sol nascer de um lugar alto, pesando comida, bebendo coca 0 em bar, acordando 5 da manhã pra estudar e correr, trabalhando até às 22 horas e lendo até às 23. E elas não têm nada com isso e nem eu. São só escolhas e seus desdobramentos. Nem mais, nem menos.
Mas me sinto tão deslocada. Concluí que é porque eu não consigo entender esse hedonismo em voga. Eu cresci movida à dor, então tenho dificuldade de entender a necessidade de fugir do desconforto e a busca incessante por prazeres imediatos. Apesar de todas as minhas verdades terem ruído, ainda cultivo uma norma existencial que é que preciso provar de tudo o que tenho vontade ao menos uma vez, nem que seja para saber que não gosto. Fiz isso no último ano. Transei no primeiro encontro e com uma única exceção (que se tornou uma relação fixa) foi muito estranho. Entendi o efeito catártico, a sensação de esvaziamento consequente do ato e porque é efeito, mas na mesma medida, me senti triste com a perspectiva do esvaziamento de significado da intimidade. Foder com alguém é ok, mas tomar banho com essa mesma pessoa é "íntimo demais"; vê-la em sua nudez "relaxada", não tão viril é "íntimo demais". Foder com alguém é ok, mas dormir tocando nessa mesma pessoa é "íntimo demais" e te fará parecer uma pessoa emocionada. Deixar uma estranha dormir na sua casa é ok, mas tomar café com essa mesma pessoa é "íntimo demais". Trouxe pra casa uma menina que conheci em um bar e nunca mais saímos porque eu não quis transar com a moça que estava caindo de bêbada. Drogas, então, nem se fala. O cigarro dá a sensação de um suicídio lento, conforme os pulmões se enchem de fumaça tóxica e a sua boca se enche do gosto de queimado, como se você estivesse sufocando devagar. E a maconha dá uma sensação de relaxamento que é facilmente promovida por uma corrida qualquer de 5 km. Uma orgia alimentar te deixa empanturrado, sacia a sua gula e no dia seguinte te deixa inchado, com o funcionamento gastrointestinal prejudicado, a pele feia e um humor péssimo, resultante dos prejuízos ao organismo e autoestima. Em síntese: prazeres fugazes proporcionados por dopamina barata e amplamente disponível que o nosso mecanismo de homeostase transformará em sofrimento logo depois. Pequenas mortes em vida.
Na busca por entender o que me cerca, eu li demais. Consumi e continuo consumindo o máximo de conteúdo possível para não ser mais joguete na mão de filho da puta. Mas, às vezes, eu sinto falta de como me iludia, de como coloria. Toda vez que alguém erra comigo, eu me lamento por não conseguir mais florear o injustificável. Me prometi que não ia permanecer em espaços onde fosse desrespeitada e tem sido a promessa mais difícil que já me fiz. Odeio ter que ir embora, mesmo que eu nunca esteja com as malas realmente desfeitas. Odeio ensaiar sorrisos e parecer burra feito uma porta pra gente que claramente acredita estar me usando e manipulando porque a situação também me beneficia. Odeio o sentimento de compaixão que brota no meu peito mesmo quando desrespeitam os meus maiores valores e essa vontade de infantilizar todo mundo, como se ninguém soubesse o que mal que faz. Odeio nutrir afeto até por quem coloca a minha existência em risco. Odeio saber que isso tudo é uma grande selva de pedra e que tudo se resume em escolher ser presa ou predador. Me acostumei tanto a calar meus sentimentos e ouvir a minha racionalidade que nunca sei como me sinto em relação a nada, só sei buscar a ação mais lógica diante do contexto. Consigo fazer uma análise completa sobre a maioria das coisas, mas se perguntada sobre meus sentimentos, tenho o repertório de uma criança que só responde com a binaridade de "bem ou mal".
Ah, abril!
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