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A performance da sereia

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 30 de jan.
  • 5 min de leitura



Tenho um novo terapeuta. Um homem. Andei conversando com ele sobre uma sensação persistente e incômoda de que minha vida afetiva é uma constante performance, uma sombra pálida da capacidade de amar que um dia eu possuí. Ele me perguntou para quem é a performance. Respondi que para mim mesma, mas que, honestamente, não entendo, já que o meu modo de amar era, no mínimo, patológico. Porém, contudo, entretanto, a partir do momento em que aprendi a me amar acima de qualquer coisa, sinto que não consigo amar nada o suficiente. Não importa o quanto eu tente me implicar em uma relação, sempre me parece um grande esforço para um pequeno resultado.

Busquei um homem porque sentia que ele me compreenderia melhor ou que, pelo menos, me julgaria menos. Gostava da minha terapeuta, mas sentia um certo constrangimento em abrir algumas questões diante do seu escrutínio feminista e suas interpretações psicanalíticas sobre como eu ajo como um homem na intenção de puni-lo, como se eu fosse algum tipo de justiceira social dos cafajestes ou o beabá que eu me identifiquei pela via do pai e minha personalidade carrega os traços tóxicos da masculinidade. Me sinto muito mulher, ainda que não me encaixe nos ideais de feminilidade. Vejo casamento como uma mera possibilidade de aumento de patrimônio; amor romântico como construção social; religião como confort food espiritual que impede o ser humano de quebrar diante da própria inaptidão de lidar com a frustrabilidade; não quero filhos e acho grande parte das pessoas não deveria nem cogitar a possibilidade de tê-los; acho o suprassumo da burrice gastar tanto em procedimentos estéticos quando é possível aprender sobre investimentos e fazer aplicações ou investir em cursos que agregariam valor a profissão. Me agrada mais pensar que trato a minha vida amorosa com a frieza que administraria uma empresa: seleciono candidatos, faço testes, concedo benefícios de acordo com suas qualificações e eles podem ou não passar do período de experiência e continuarmos a nossa parceria.

Enquanto conversava com o João, pensava que é muito mais legal estar do outro lado. Odeio fazer terapia. Toda vez que ele soltava um "e como você se sente sobre isso?" o meu decoro me impedia de soltar um "sei lá, mano, eu não sinto porra nenhuma". Que profissão chata e bisbilhoteira é a nossa! Rapaz, será que alguém se sente assim comigo também?

Sou uma mulher que aprendeu a ser lobo ao invés de cordeiro. Eu aprendi a me portar exatamente como um homem sedutor e bem-sucedido, o topo da pirâmide social. E, a partir do momento em que você preda ao invés de ser predada, a selva de pedra se torna previsível, entediante e os pavões e leões, meros palhaços. Finalmente compreendi, através da vivência, a solidão de uma mulher que atendo desde que era estagiária, que não conseguia se relacionar. Quanto mais você conquista, mais independente se torna. Quanto mais independente se torna, menos precisa de pessoas. Quanto menos precisa de pessoas, mais pode escolher a si ao invés do outro. O poder de escolha dá um ar de descartabilidade à todas as coisas. Poder decidir não sustentar algo é perigoso, porque o limiar entre o autorrespeito e a indiferença fica difuso. E nada torna uma mulher mais independente e abre mais possibilidades que dinheiro e boa aparência. Se eu usasse mais do segundo recurso, certamente aumentaria o primeiro ainda mais rápido, mas meu orgulho intelectual me impede de me portar feito uma puta em qualquer outro espaço que não seja um quarto.

Toda vez que me fodo eu me pego pensando que a minha meta de relacionamento é nunca mais ter um. Eu já perturbo tanto a minha cabeça sozinha, porque eu vou querer mais alguém me bagunçando? Sexo casual é uma merda, paixões que não duram 1 mês são uma merda, celibato autoimposto é uma merda, mas ainda pior é chorar até dormir por ter confiado em quem não deveria. Ou lidar com as merdas de homens que não fazem o seu próprio trabalho de lidar com as próprias merdas e esperam que eu seja um poço infinito de compreensão só por ser psicóloga. E eu tô cada vez mais nem aí. Prefiro comer caco de vidro como pré-treino pra cruzar a Ponte Rio-Niterói ajoelhada em grãos de milho e me hidratar com água da Baía de Guanabara no processo que explicar pra um homem adulto, em plenas faculdades mentais, que o comportamento dele é péssimo e me prejudica. Qualquer perturbação eu tô sumindo.

Eu me tornei alguém capaz de sacrificar qualquer coisa que se interponha entre mim e meus objetivos. Meu ritmo ideal é dormir pouco, estudar muito, trabalhar muito e colocar meu corpo sempre além do limite. A vida ideal é aquela pela qual valeria a pena morrer e não existe nada mais valioso que força, honra e sabedoria. Eu cresço na crueldade porque me criei na privação e na violência. Sou endurecida, embrutecida. O que me perturba é que até gosto quando baixo minhas defesas e alguém me fere, porque isso me lembra que eu preciso me fortalecer ainda mais. A dor me traz o ódio que impulsiona o meu desenvolvimento. A dificuldade é baixar as defesas do meu peito, porque eu não gosto de quase nada. Não gosto de playboy, de quem pensa que a vida é uma festa, de quem vive anestesiado da própria realidade por álcool, drogas e sexo casual, de quem é frouxo e acomodado, de gente muito frescurenta. Não sinto ciúmes, não faço cena, não corro atrás e não me permito dar muita atenção à nada (não a ponto de desviar meu foco) que não vá me deixar mais forte, mais inteligente ou encher o meu bolso e isso também costuma ser péssimo, porque se tem uma coisa que esperam que eu faça e eu já não sou é bancar a emocionada. Se não tá bom pra mim, eu pego o meu banquinho e vou embora. Acredito que lealdade se prova sob a luz da liberdade que você oferece ao outro, e essa falta de tentativas de controle sobre o livre arbítrio alheio é comumente interpretado como frieza e/ou indiferença. E acredito também que expectativas são sempre responsabilidade de quem as cria, então se eu ousar criar, que eu sustente a desilusão sem responsabilizar o outro.

O problema é o que fazer diante de tanta liberdade. Às vezes me pergunto se um dia vou conseguir preferir estar com alguém que sozinha. Tem tanta coisa que quero realizar ainda esse ano. Começar no esporte que eu sou apaixonada desde a adolescência, pegar firme no estudo pra carreira policial, terminar minhas especializações pra fazer a minha transição de carreira, bater minhas metas financeiras, aprender a andar na bicicleta que eu comprei, tirar habilitação, viajar na minha própria moto ao invés da garupa alheia. Sigo no mantra de que posso perder o mundo, só não posso me perder de mim de novo.



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