Sabe
- Yilan Ruh
- 20 de mar.
- 4 min de leitura

Sabe, essa manhã eu fui escovar os dentes e a pia estava cheia de fios. Eu poderia ter ficado puta, feito mãe brava, cansada de corrigir os filhos, mas aquilo me tirou um sorriso. Me peguei pensando em como é mágico que você deixe um pouquinho de você a cada vez que vem aqui. São os fios na minha escova, a sua roupa no meu varal, seu condicionador no meu banheiro. E o quanto eu gosto que cê fique, o quanto tento pôr mais coisas suas e o quanto eu quero tornar o que é meu, o seu cantinho também.
Sabe, eu nem achei aqueles copos tão bonitos, mas eu comprei só porque cê achou. Eles são muito a sua cara e agora toda vez que eu bebo a minha Pepsi Black eu lembro de você. E eu tô me esforçando mesmo pra ser mãe de planta porque te vejo em cada uma das flores que cê me deu. As orquídeas são lindas, bem como as flores da fortuna, e não é que em alguns lugares a cor amarela pode se tornar bonita? Eu até comprei uma rosa do deserto, confiante que estou deixando de ser a pessoa que mata até cactos.
Sabe, eu comecei a pensar que um frigobar fica pequeno pra guardar marmitas de 2 pessoas. E que eu acho que consigo não surtar se você se esquecer de limpar a minha air fryer suja de carne (de novo). Eu sei que cê não faz por mal, é só a porra do TDAH. E logo mais eu vejo uma lava louças e o problema se resolve.
Sabe, eu sinto saudade de você assim que cê sai pela porta. A casa fica meio vazia, minha cama, espaçosa demais, os lençóis, frios. Até a Aurorinha parece menos perturbada, como se cessasse o ímpeto de besta que veio anunciar o apocalipse na terra. Eu, que me sinto sufocada quando passo mais que uma noite com alguém e preciso desesperadamente ficar sozinha, nem que seja por algumas horas. É que sustentar minha armadura pesa muito e eu não preciso fingir que embaixo dela não tá tudo remendado quando cê tá aqui.
Sabe, eu tenho medo de ficar, de criar raízes, e depois me ver soterrada de novo. Cê sabe que eu ainda cuspo a terra dos meus pulmões de vez em quando. Eu tô sempre de malas prontas, preparada pra partir diante do primeiro sinal de desabamento. Mas eu tenho aprendido que eu posso te acordar e deixar você me abraçar ao invés de vomitar minhas lembranças quando elas me acordam, em pânico, às 3 da manhã. E hoje eu comprei um conjunto de mesa e cadeiras em madeira - preto, como tudo na minha casa - para colocar na varanda. Meu jardim tá ficando bonito demais pra não receber visita. E pendentes para o teto, no estilo industrial, que tanto amamos! E também ralos inteligentes pro banheiro porque me sinto mal toda vez que mato um inseto, mas deus me livre de uma barata andando na minha toalha de corpo novamente!
Sabe, eu renovei a minha assinatura do box de vinhos e já estava pensando aqui que o primeiro uso dessa mesa vai ser à luz de velas, com uma pizza de rúcula com tomate seco - que todo mundo tem preconceito, mas a gente sabe o quanto é boa - e o Finca Del Mar que eu sou doida pra abrir só porque o rótulo é lindo. Eu quero um momento como o de Maromba na varanda de casa. Mas você escolheu o vinho argentino antes, então é minha vez e o vinho será espanhol!
Sabe, toda vez que eu abro o Instagram e vejo um reels de um lugar bonito eu penso que precisamos ir. E toda vez que a gente vai em um deles, eu me lembro do que cê me disse na varanda, naquele dia de chuva. Que eu sou uma pessoa triste, mas que cê vai me dar momentos felizes até que eles sejam mais abundantes que as minhas memórias do passado. E, sabe, eu tenho aprendido a aceitar o lado escuro e cinza das coisas sem fingir que elas são coloridas agora que eu conheço as cores verdadeiras. É que cê tem lançado tanto sol nas minhas sombras que eu já não preciso imaginar cores.
Sabe, dia desses eu vi um vídeo que dizia pra não deixar o seu antigo amor te impedir de amar de novo. Mas, diante das minhas novas percepções de amor, admito o amor como escolha e, assim, percebo que nunca vivenciei o amor até a sua chegada. Eu escolho te amar a cada dia que, mesmo triste, deixo que venha. Escolho te amar quando deito no seu colo ao invés de me trancar no banheiro pra chorar. Escolho te amar quando conto o que nunca contei à ninguém. Quando compartilho o quanto tudo está pesado, o quanto me sinto exausta e o quanto quero sumir. E quando, de fato, você me leva e sumimos. Quando você se fecha e eu te abraço ao invés de me comportar com a frieza de uma amante rejeitada.
Sabe, é que o mundo me fez aço, mas cê me fez flor.
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