Fins
- Yilan Ruh
- 25 de mar. de 2024
- 3 min de leitura

Hoje eu acordei nessa cama enorme. Cabem três de mim aqui, o que faz com que eu pareça pequena. Achei que fosse impossível que eu me sentisse ainda menor que já me sinto. O cetim está frio. Meu corpo não tem calor o bastante para aquecer tamanho objeto.
Mandei a Alexa desligar o alarme. Pensei no sentido de levantar 5:30 da manhã pra puxar ferro. Pesei se não deveria voltar a dormir. Não quero ver gente. Se eu pudesse, não gostaria nem de ver a minha própria cara no espelho. Levantei. Sabia que se não treinasse, passaria o dia em jejum de água e comida. Vou beber meus 3 litros de água e fazer 6 refeições, mas o que eu queria era fumar um maço inteiro de cigarro, virar uma garrafa do vinho mais vagabundo possível e depois cortar meus pulsos. Queria poder surtar. Queria ser só mais uma patricinha mimada que não precisa se preocupar com nada além das próprias frustrações. Dar um ataque de pelanca de vez em quando. Choramingar, quebrar copo, berrar, ficar putinha só porque a vida não é um morango, mas a porra de um abacaxi enfiado no nosso reto. Não sou. Tem coisa pra caralho dependendo de mim. Minha mãe alcoólatra que não consegue pagar as próprias contas, meus irmãos que, mesmo bem mais velhos, estacionaram na adolescência. Meus pacientes que tem uma vida tão fodida quanto a minha. Os bichos, o veganismo, os projetos sociais. O foco em tornar essa droga de mundo 1% menos miserável pra ver se um dia eu consigo sair na esquina de casa sem me deparar com algo que me deixe triste.
É que tem um rombo no meu peito do tamanho de mim mesma, que a cada dia parece maior. Como a gente preenche o abismo quando ele tá dentro da gente? Eu tô cansada de ser foda. Cansada de me importar demais, com coisas demais. Eu só quero ser medíocre por um dia. Gente frágil recebe cuidado. Gente forte recebe uma montanha ainda maior pra escalar depois de quase não ter conseguido subir a primeira. Bora lá, caralho, todo mundo sabe que você consegue. Engole o choro que você não é criança pra fazer só o que gosta. Aliás, você já foi algum dia?
Comi o chocolate caro com gosto de dipirona que comprei pra você. Enquanto comia, pensei que está pra chegar a primeira caixa da assinatura de vinhos que fiz para nós. Você nem sabe, mas eu ia comprar uma adega. Era horrível, aquela porcaria 85% cacau produzida artesanalmente na Bahia. Só não era mais amargo que olhar pra ele e me lembrar que fracassei mais uma vez em fazer alguém me amar. Fui comendo e vomitando. Parei quando o sangue escorrendo pela boca e nariz já estavam colorindo o sanitário de uma forma preocupante. Parei quando consegui me sentir vazia de novo. Parei quando consegui tirar você e tudo o que eu inventei de você de mim.
Desde que eu me recordo, sempre me disseram que me pareço com uma boneca. Inevitavelmente, esse sempre vira o meu apelido. Curioso, porque nunca um objeto me permitiu tamanha identificação: bonito por fora e completamente oco por dentro. Tomei mais um tombo da minha prateleira. Se achar algum pedaço meu perdido pelo chão, guarde-o para mim.
Hoje eu vou fazer uma loucura comigo mesma: estragar um café o adoçando. A vida já está amarga demais.
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