27 monstros
- Yilan Ruh
- 30 de abr. de 2024
- 3 min de leitura

Quarta é meu dia de terapia. Eu odeio fazer terapia, mas gosto muito da minha terapeuta. Me soa como a intimidade das intimidades uma psicanalista me chamar de "Vih". Sinto que desenvolvemos uma excelente relação depois do meu surto. Porque é fato que, pouco antes do fim do ano, eu surtei. E quando digo "surto", me refiro à alcançar um estado de instabilidade que me faça pedir ajuda, uma vez que pedir ajuda é um crime capital no meu estado de autossuficiência. Pedi uma sessão extra de terapia, ela me viu no meu pior estado possível e depois disso eu quis abandonar o tratamento porque não sustentei ter sido vista em uma situação de extrema fragilidade. Eu saquei, ela sacou, nos despedimos com a promessa de um novo encontro e nos encontramos, religiosamente, na quarta seguinte e em
todas as outras.
Continuo relutante em receber cuidado. Continuo não gostando, mas percebo que desgosto um pouco menos. Percebo que reajo menos como um cão chutado às tentativas de aproximação alheias e mais como um gato desconfiado. Aprendi a receber o cuidado da Step (que ela nunca saiba que a chamo por apelidos também).
Meus aniversários costumam ser datas tristes, marcadas por uma sensação de extremo senso de despropósito e inutilidade que me levam a considerar o suicídio desde que consigo me lembrar. É estranho perceber que, tão jovem, eu já flertava com a morte. Mas me recordo que, tão logo aprendi a escrever, comecei a escrever poemas sobre a vontade que eu tinha de morrer. Escrevia porque, assim que me mutilei pela primeira vez, aos 7, descobri, ao ser repreendida, que não era de bom tom expor o que me doía. Sangue é uma linguagem um tanto macabra, ainda mais quando o discurso parte de uma criança. E eu me sentia tão triste todas as vezes que olhava para o mundo. Tão pequena pra fazer algo sobre o que vejo. Ainda me sinto triste do mesmo modo, mas sem essa ânsia de não existir. A cada vez que abro os olhos, encontro algo pelo que lamentar. Já dizia Angusto dos Anjos que o mundo é um sepulcro de tristeza. Ninguém poderia dizê-lo melhor. Eu sigo um cadáver animado carregando água na peneira. Foda-se Sísifo, me agrada mais bem mais essa imagem.
Tão antigo quanto o flerte com a morte, é a sensação de que estou quebrada. Passei os últimos anos em busca de algo que fizesse eu me sentir inteira de novo. Não alcancei. Tinha medo de ser partida novamente nas tentativas. Mas encontrei paz de espírito na última sessão de terapia dos meus 26 anos.
Disse à Step que estou quebrada. Que eu sei que nunca serei inteira de novo. Ela já me ouviu falar isso inúmeras vezes nos últimos anos. Mas, dessa vez, trouxe algo novo: essa percepção, que me causava tamanha angústia, hoje me confere paz. Não se parte o que já está partido. Não se quebra aquilo que nunca se consertou. Não existe nada mais a ser feito quando tudo já foi feito. Quando seus piores medos encarnam, te mastigam e te cospem de volta, aos pedaços, você não tem mais nada a temer. Decepei a minha própria cabeça e a pendurei em um cordão no que sobrou do meu pescoço.
Eu queria ser Jekyll, acabei sendo Hyde.
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