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Depois

  • Foto do escritor: Yilan Ruh
    Yilan Ruh
  • 1 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 25 de jun. de 2024




Eu aguardo a chegada do morno, ainda que a temperatura me deixe confusa. Eu, que amo o quente de queimar os lábios e o gelado de arrepiar a pele. Ando procurando a doçura no café, a calma no estimulante, a completude no vazio. Ando buscando sentido em lugares onde não há um sentido visível. Eu ando a inventar o que não existe, na ânsia vã de fazê-lo existir. Eu quero o êxtase depois da satisfação do desejo, a paixão depois do frenesi, a aceitação depois da mágoa. O que eu quero ainda não tem nome.


É que eu ando cansada desse lugar de espera. De aguardar a palavra, o encontro, o toque. De que vida me preencha através do outro. Eu só me sinto eu mesma quando estou vazia e, contudo, a calmaria que me existe se parece, ao menos em parte, com morte. Sinto que ando morrendo demais. Tranquilidade se parece com tédio e tédio, com tristeza. Minha busca por estabilidade deixou tudo na mais absoluta ordem. Entretanto, já dizia o Manoel de Barros que "tem mais presença em mim o que me falta". O que me falta é ansiedade. Anseio por ela. Pelo medo da perda, pela falta de controle, por desregular meu sono, pela pizza em plena terça-feira. Por trocar meu treino de musculação matinal por sexo. Por olhar o celular de hora em hora, aguardando uma mensagem, ao invés de esquecer onde o larguei. Eu quero o erro, o problema, a dor de cabeça, a instabilidade.


Sofro do mal de não entender obviedades. Disseco um texto de Baudaleire, mas não entendo uma piada de quinta série até que me expliquem. Minha literalidade me carrega para lugares que não compreendo. Tento reinventar esses espaços. Ressignificar, mudar as coisas de lugar. Reordenar de forma que faça sentido. Caio nos mesmos lugares, com tonalidades ligeiramente diferentes. Caio nos meios-termos. Nas coisas meio-mornas, meio-mortas. Nas meias-palavras, nas meias-partidas. Nas pessoas que mudam "do nada" e dizem que não há nada acontecendo. No tremor nas mãos quando chega uma mensagem que se torna indiferença assim que a leio. No conteúdo que, de tão fútil, se torna desprovido de conteúdo. No mais do mesmo. Nos corpos diferentes, cheios de gente igual. Nas coisas que não são óbvias para mim até que sejam óbvias demais.


Contei para minha psicóloga que não tenho dimensão de quão horríveis são as coisas que me acontecem até que as tenha contado para alguém. Perdi as contas de quantas vezes só consegui chorar sobre algo que aconteceu comigo quando vi quem me ouvia chorando. Hoje, após correr 6 kms, estava sentada, vendo o mar, com o peito estourando de angústia. Meu ex parceiro me encontrou. Falei com ele o quanto estava me sentindo cansada por me fazerem sentir que eu era uma pessoa difícil de estar com. Eu, que nunca peço nada, que nunca exijo nada, que respeito a autonomia e a liberdade de ser do outro acima de qualquer coisa. Que incentivo a individuação como saída. Que sou sempre paciente do outro. De ouvir como era difícil estar comigo, como se sentiam testados, forçados a provar seu amor por mim. Sendo que eu não dou a mínima se alguém me ama ou não porque nem acredito que isso seja possível. Ele, a pessoa mais estável que conheço, me confessou que me admira porque eu sou muito forte. Que se tivesse passado por metade do que eu passei teria se matado. Não falei, mas pensei que acho que me matei. Perdi minha sensibilidade no processo. Eu sinto tanta dor que eu já nem sinto.


Na espera de que o café amornasse, ele esfriou. Tentei requentá-lo. Ficou com gosto de queimado. Coloquei açúcar e ficou ainda pior. Lancei-o na pia. Depois que o café esfriou, nunca mais ele foi o mesmo, não importa o quanto se tente adoçá-lo. Para se manter aquecido, o café precisa de um recipiente aquecido. Para que se mantenham quentes, as coisas necessitam de manutenção. Ando esfriando também, mas não quero descer pelo cano. Se para estar com o outro, preciso abrir mão de mim mesma, ele não vale tudo isso e nem ninguém. Felizmente eu sei me aquecer sozinha.




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